ENTRE O VÍRUS E A FÉ
por D. Gilson Andrade
“É feliz quem a Deus se confia”, assim reza o Salmo 1, e nessa confiança gostaríamos de viver, em meio às alegrias e dores da vida. Quem tem fé sabe que pode se apoiar em outra realidade mais consistente. Embora a fé verse sobre coisas que os olhos não podem ver, isso não significa que elas não sejam até mais reais que um vírus que se alcança a ver apenas graças a recursos de alta tecnologia.
A atual pandemia do Covid-19 (coronavírus) tem nos colocado diante da realidade da fragilidade humana. Muitos acontecimentos do nosso tempo nos têm feito confrontar a insegurança do viver. Isso acontece desde que o mundo é mundo. Lembremos, por exemplo, as grandes pestes, que até o século passado dizimavam milhares de pessoas em pouco tempo. Com o avanço da tecnologia esperávamos poder superar definitivamente essas “surpresas” nefastas que marcam de luto a história humana. E eis que novas ameaças surgem, ou ressurgem, e temos que aprender a lutar de novo contra os inimigos da vida.
Apesar das autoridades insistirem em não se criar um clima de pânico, as pessoas normalmente reagem com apreensão diante da incerteza que uma situação assim traz. Muitas das nossas reações têm a ver não apenas com o temor da enfermidade em si mesma, mas do que ela nos revela. Ela nos coloca diante do fato de que a vida de todo ser humano é frágil e o seu cuidado não é autônomo. Ninguém pode se cuidar sozinho. Há uma sadia dependência entre os seres humanos, onde uns sustentam a vida dos outros. Mas existe uma outra dependência radical que na sociedade secularizada em que vivemos, temos dificuldade de acolher. Nossa vida depende de Deus, está sempre em suas mãos. Nossa vida não é só nossa, ela é dom. Recebemo-la de nossos pais, mas radicalmente a recebemos de Deus. A confiança em Deus gera a paz, pois os caminhos da providência divina passam pelos caminhos da humanidade, com suas lutas e dores.
O profeta Isaías, no século VII a.C., lembrava aos seus ouvintes que “a carne é como a erva e toda a sua glória dura como a flor do campo” (40, 6). Ao longo de toda a história o ser humano é confrontado com essa realidade e não tem como escapar dela. É verdade que se pode tentar viver sem se questionar sobre isso, mas alguns acontecimentos sempre nos levam a refletir sobre o tema. O momento atual é uma ocasião propícia para que nos detenhamos na importante reflexão sobre o sentido da nossa vida: vivemos para quem, vivemos para quê?
O Deus em quem acreditamos e que se revelou em Jesus Cristo é o Deus da vida. São muito oportunas as palavras do Papa Francisco, que constituem o centro da sua mensagem dirigida aos jovens na Exortação Apostólica a eles dirigida: “Cristo vive e te quer vivo” (Christus vivit, 1). O Deus em quem cremos quer a vida das pessoas e, por isso, os cristãos sempre se empenham na defesa da vida em todos os seus âmbitos: desde a fecundação até o seu fim natural, valorizando também tudo o que é vida, pois é dom de Deus para uma humanidade feliz.
A atual crise sanitária pede aos cristãos atitudes de sempre, mas que podem ser assumidas como compromissos novos. Primeiramente, a confiança em Deus, que cuida sempre de nós. A oração deve estar presente neste momento. Em nossas assembleias litúrgicas, na devoção da Via Sacra, nos encontros da Campanha da Fraternidade e na oração pessoal não pode faltar o clamor a Deus, para que nos livre do mal e nos ajude a encontrar os caminhos da cura. A solidariedade para com os sofredores é outra atitude que deve estar ainda mais presente. E uma solidariedade que nos comprometa também como cidadãos diante das autoridades, para que o cuidado da saúde seja uma das prioridades nas políticas públicas. Além disso, o sentido de responsabilidade diante dos irmãos nos leva a estar atentos às indicações que vêm da parte das autoridades para estender o cuidado a todos.